domingo, 8 de janeiro de 2012

Entrevista com o Sr. Reinaldo Pimentel (in memoriam): iniciando o ano de 2012 com uma pequena homenagem

Essa entrevista foi uma das primeiras realizadas por nós, ainda no ano de 2009.  Estávamos começando nossa aventura, com passos ainda tímidos, mas com a certeza do nosso objetivo: dar voz às pessoas que participaram da construção de Queimados, ouvir suas histórias, remexer suas memórias... e tudo o mais que elas estivessem dispostas a compartilhar conosco.  Desde essa época, nosso desafio tem sido, para nós, uma experiência rica e gratificante.  Segundo a historiadora e antropóloga, Verena Alberti: "O ideal, numa situação de entrevista, é que se caminhe em direção a um diálogo informal e sincero, que permita a cumplicidade entre entrevistado e entrevistador, à medida que ambos se engajam na reconstrução, na reflexão e na interpretação do passado." (ALBERTI, 2005: 102)  Contudo, é muito difícil dimensionar, por meio de palavras, a relação que se estabelece entre entrevistador e entrevistado.  Afinal, somos estranhos, solicitando permissão para acessar um terreno do qual não fazemos parte diretamente: as memórias construídas por cada um.
Em foto recente, o Sr. Reinaldo Pimentel junto a uma de
suas grandes paixões: o radioamadorismo.
Cientes dessas dificuldades mas com grande vontade de trazer à luz, essas histórias, realizamos em julho de 2009, uma entrevista com o Sr. Reinaldo Pimentel.  Ao longo de cerca de duas horas de gravação, o Sr. Reinaldo nos relatou passagens de sua infância e juventude, vividas no, então, Segundo Distrito de Nova Iguaçu (em Cabuçu).  Segundo  nosso entrevistado, seu pai fora chacreiro, no tempo em que aquelas terras, além de fazerem parte de Nova Iguaçu, eram cobertas por extensos laranjais.  Sobre o período de apogeu da citricultura, ele destaca a presença marcante de duas importantes famílias, proprietárias de terras na região: os Modesto Leal e os Guinle.  Tal menção nos remete, imediatamente, ao trabalho de Sonali Souza, no qual a autora identifica três grupos sociais principais na Iguaçu dessa época: os grandes proprietários rurais, os arrendatários (denominados "chacreiros") e os lavradores, que trabalhavam nessas propriedades, principalmente por ocasião da colheita e beneficiamento dos frutos (SOUZA, 1992: 13).
O Sr. Reinaldo, junto a amigo,
nos tempos em que servira à Marinha
do Brasil.
Entretanto, sobreveio a Segunda Guerra Mundial e, com a paralisação do tráfego pelo Atlântico, iniciou-se a crise da citricultura iguaçuana.  O Sr. Reinaldo dá testemunho disso: ao retornar da guerra, da qual participou por servir à Marinha Brasileira, deparou-se com a família despejada das terras arrendadas, que começavam ser loteadas.  Em meio a esse contexto, nosso entrevistado destaca seu casamento com a Srª. Maria de Souza, sua prima.  Porém, havia também o sentimento de culpa, por ter deixado os pais sozinhos no Brasil e agora vê-los arruinados...  Após o casamento, foi morar em Miguel Couto.  O Sr. Reinaldo lembra que, ao retornar da guerra e se deparar com a crise que afetara duramente sua família, decidiu desligar-se da Marinha e se tornar taxista. Durante alguns anos trabalhou na Praça da Liberdade. Como taxista, atendia a muitos clientes da Loja Ritz, de Nova Iguaçu.  Observando a movimentação nas lojas, deciciu vender o carro e a autonomia e, após trabalhar por breve tempo na própria Ritz, decidiu propor negócio a um de seus sócios, e abrir uma loja de mesmo nome, fora de Nova Iguaçu.
Assim, se mudou para Queimados, onde chegou em um ano emblemático: 1958, o ano dos festejos do Centenário da Estrada de Ferro, apropriado pela população local como o "Centenário de Queimados." A importância do trem se justificava: esse era, então, o único meio de transporte público que conectava Queimados ao centro de Nova Iguaçu e, em uma perspectiva mais ampla, ao centro do Rio de Janeiro. Nessa época, poucas eram as ruas pavimentadas, a eletrificação da ferrovia e a abertura da Dutra eram fatos recentes. Essa constatação nos dá a noção do quanto a trajetória de Queimados, até a conquista da emancipação, foi longa!  Dos primeiros murmúrios de insatisfação com Nova Iguaçu, até a sucedida emancipação, em 1990, passaram-se quatro décadas!
Sr. Reinaldo, na frente da Loja Ritz, em seu
primeiro endereço, na Rua José Maria Coelho.
Contudo, para o nosso entrevistado, o ano de 1958 marcou muito mais pela inauguração de seu novo empreendimento: a Loja Ritz-Queimados, localizada inicialmente, na Rua José Maria Coelho, nº 19.  Essa rua é ainda conhecida pelos moradores mais antigos da região, como "Rua da Feirinha" por ter sido ali, durante muitos anos, o logradouro da feira de Queimados, que hoje ocorre na Avenida Tinguá.  No começo, a loja do Sr. Reinaldo atendia a consertos de aparelhos de rádio.  Aliás, no decurso da entrevista, pudemos perceber que a relação de nosso entrevistado com os aparelhos radiodifusores ia muito além do conserto dos mesmos na Ritz: o Sr. Reinaldo mostrou-nos o espaço em sua casa, onde se dedicava a uma de suas paixões, o radioamadorismo...
O tempo ia passando e a sociedade estabelecida entre os senhores Reinaldo Pimentel e Antônio Alves foi crescendo.  A Loja Ritz passou a comercializar eletrodomésticos, se tornando uma referência para os queimadenses.  Em 1964, a loja se transfere para a Avenida Elói Teixeira, do outro lado da linha férrea, acompanhando o crescimento do local.  Nessa época, abriram outra Loja Ritz, em Japeri, que ficou sob a administração do Sr. Antônio, enquanto o Sr. Reinaldo permaneceu em Queimados. 
Além dessas histórias, o Sr. Reinaldo falou também sobre a fundação da Loja Maçônica Esperança de Queimados, da qual participou, ao lado de pessoas como o Professor Joaquim de Freitas e o Sr. Virgílio Lopes.  Tal fato nos chamou a atenção, na medida que a Maçonaria desempenhou significativo papel na organização do movimento pró emancipacionista em Queimados.  Mas esse é um assunto para os próximos artigos...
O Sr. Reinaldo Pimentel faleceu em outubro de 2011.  A publicação desse artigo póstumo, contendo detalhes da entrevista concedida por ele a nós, é uma forma de homenageá-lo e reiniciar nosso trabalho nesse novo ano!  

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*Fotografias gentilmente cedidas pela Família Pimentel.