O espaço biográfico nas ciências sociais é o sexto capítulo da obra intitulada O Espaço biográfico –
dilemas da subjetividade contemporânea, de autoria da professora Leonor Arfuch e que foi publicado no Brasil pela EdUERJ, em 2010. Arfuch é argentina, doutora em Letras pela Universidade
de Buenos Aires, onde atua junto às Faculdades de Ciências Sociais e de
Arquitetura, Desenho e Urbanismo e também, especialista em Análise de Discurso e Crítica Cultural. No referido texto, a autora destaca
a importância dos “métodos biográficos”, que permitem abordagens
pluridisciplinares, envolvendo áreas de saber, como a antropologia, a
linguística, a etnologia, a sociologia etc. Assim, delimita dois
objetivos, que pretende atingir ao longo do capítulo:
Primeiro: analisar, comparativamente, os procedimentos
empregados nas práticas dialógicas, tanto no caso das entrevistas midiáticas
quanto no caso das entrevistas científicas.
Segundo: estabelecer uma base teórico-metodológica de análise,
que possibilite a interpretação dos relatos de vida, para uma análise social do
discurso.
Deslindando esses objetivos, Leonor Arfuch estabelece as semelhanças e as diferenças entre as entrevistas midiáticas e as entrevistas científicas. Sobre essa questão, ela afirma que ambas modalidades de
entrevistas trazem a marca da chamada “autoria conjunta”, isto é, da relação
subjetiva estabelecida entre entrevistador e entrevistado. Da mesma forma, ambas estão
situadas no bojo da aceleração e expansão massiva de meios de comunicação, do
crescimento das cidades, em suma: na contemporaneidade, a que remete o subtítulo
da obra. Não obstante, segundo Arfuch, as entrevistas
midiáticas se constituem “um gênero em si mesmo, independente da
temática que aborde e de sua possível tipologia...”, ao passo que as entrevistas
científicas sempre pressuporão um estágio inicial “em
direção à elaboração de um produto-outro...” (ARFUCH, 2010:
242). O ponto de interseção entre essas duas modalidades de entrevista é demarcado pela atuação
da Escola de Chicago que, no contexto do Pós Primeira Guerra, deu ênfase às
abordagens socioantropológicas, que introduziram a utilização de entrevistas (a
pesquisa oral, o que acaba por alçar a biografia à evidência) e, com elas, a
ampliação dos métodos de pesquisa na área das Ciências Humanas e Sociais,
democratizando as vozes e as narrativas do passado.
Registro da entrevista com o Sr. Luís Gonzaga, que participou ativamente das lutas pela emancipação de Queimados. |
Se debruçando sobre seu segundo objetivo nesse capítulo, Leonor Arfuch propõe a aproximação
entre as Ciências Sociais e a Literatura, na medida em que as narrativas
biográficas, como campo de ação da Literatura, buscam abarcar “o
horizonte vivido de todas as experiências.” Ainda assim, ela salienta que o pesquisador deve
estar permanentemente consciente quanto à impossibilidade de revivificação do
contexto histórico, por meio da narrativa. Além disso, deve também investigar
o contexto de produção das identidades coletivas e variáveis, evitando assim, a
supervalorização das singularidades ou das exceções às regras sociais. Dessa forma, Arfuch aposta na Análise
do Discurso, levando em conta as
seguintes questões: a produção dialógica
do sentido do dizer;
as dificuldades da construção de um relato de vida; a análise das modalidades
enunciativas, de forma que não as reduzam, nem tampouco as desestruturem; a
polifonia ou confrontação de vozes e relatos simultâneos, bem como a
sensibilidade para perceber, nos hiatos, esquecimentos e silêncios, indícios
relevantes para acessar as memórias do entrevistado.
Fotografia tirada durante entrevista com o Dr. Jorge Cunha, primeiro prefeito de Queimados. |
Sendo assim, ao inscrevermos nossa pesquisa sobre a emancipação da cidade de Queimados no âmbito da História Regional (noção de Baixada Fluminense como região periférica
do estado do Rio de Janeiro em fins do século XX) e também da História do Tempo
Presente, consideramos que as propostas de Leonor Arfuch são bastante significativas para o nosso trabalho. Ao trabalharmos com entrevistas e abordarmos o mesmo recorte cronológico adotado por Arfuch - qual seja o da reabertura política, ocorrida após o fim das ditaduras militares tanto no Brasil quanto na Argentina - identificamos um período de ressignificação dos conceitos de
democracia e cidadania, um processo que se desdobra até hoje. No seio desse período, se desenrolaram as lutas pela conquista da autonomia queimadense frente a Nova Iguaçu. Acreditamos que a coleta e a análise dos depoimentos de pessoas que viveram e/ou participaram desse momento da história da cidade tem muito a contribuir para uma escrita da história de Queimados.
* ARFUCH, Leonor. “O espaço biográfico nas ciências
sociais.” In O Espaço Biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Trad.: Paloma
Vidal. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2010, pp.: 239-275. A resenha desse texto foi apresentada sob forma de seminário, pela mestranda Claudia Patrícia de Oliveira Costa, para disciplina Biografia e História: usos,
interseções e implicações teóricas, ministrada pela Profª. Drª Márcia de Almeida Gonçalves, do PPGH-UERJ
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