domingo, 31 de julho de 2011

Reunião no São Bento busca parcerias para Museu Vivo

Espaço dedicado à Memória da
Educação - CEPEMHEd.
Criado oficialmente, no ano de 2008, por meio da Lei nº 2224 e subordinado à Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias, o Museu Vivo do São Bento se enquadra em uma nova perspectiva museológica, que busca a interação entre a necessidade da preservação do patrimônio local e a história de vida da população.  Trata-se de um museu a céu aberto, também conhecido como Ecomuseu ou Museu de Percurso, que reúne vários Lugares de Memória em um trajeto que abrange vários períodos da História do Brasil, da região e da própria cidade de Duque de Caxias: da dita Pré História, ao tempo presente.  Tal premissa busca despertar a consciência social dessa população, legitimando-a como agente histórico da região em que vive ou trabalha. 
Poema-bar: espaço, dentro da sede
do museu, para literatura, artes, música,
gastronomia e o que mais vier...
Em 2010, o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) reconheceu o Museu Vivo do São Bento como importante ponto de memória, dentre os dezenove escolhidos por essa instituição em todo o Brasil.  Entretanto, essa importância cultural e social ainda carece de incentivo e investimentos que possibilitem a restauração e preservação de vários elementos que compõem o percurso do museu.  Exemplo dessa lamentável situação é o prédio que outrora foi a sede da Fazenda de São Bento (ou Fazenda do Aguassu) e que hoje, padece em precário estado de conservação, sendo sustentado por vigas improvisadas, aguardando restauro urgente, antes que venha abaixo...
O professor Antônio Augusto expõe
aos presentes, a premissa do Museu
do São Bento.
Pensando nisso, um expressivo grupo de pesquisadores e lideranças comunitárias e sindicais, responsáveis pela gestão do museu e do projeto em torno da revitalização dessa área, vêm buscando firmar parcerias com órgãos ou agências de fomento de atividades educativas/culturais, interessados em apoia-los nessa empreitada.  Nesse sentido, no último dia 28, estiveram reunidos na sede do museu, membros dessa comissão de gestão e o senhor Celso Pansera, presidente da FAETEC, representando a Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia.  Após breve exposição do histórico da região onde se encontra o Museu de Percurso do São Bento e das questões sócio culturais que ele introduz, foram enfocadas as dificuldades encontradas pelos gestores para o pleno desenvolvimento desse projeto.  O objetivo era buscar o apoio do governo estadual, no sentido de estabelecer possíveis parcerias que ajudassem resolver alguns dos, já citados, problemas que "atormentam" o Museu Vivo do São Bento e prejudicam o exercício pleno da sua proposta educativa.
O grupo, reunido, debate as
possibilidades de ação.
Nós, do Memória e Patrimônio Histórico de Queimados, também estivemos presentes a esse encontro, a convite do professor Antônio Augusto Braz, pesquisador-membro do CRPH e da APPH-Clio.  Na condição de historiadores, pesquisadores da História da Baixada Fluminense, nos inspiramos em iniciativas como a do Museu Vivo do São Bento e sonhamos com o dia em que poderemos levar para Queimados, propostas como essa...





Da esq. para a dir.: professores Nilson Henrique e Antônio Augusto,
Celso  Pansera, presidente da FAETEC e professores Alexandre Marques,
Marlúcia Santos e Claudia Costa.


Para acessar mais fotos desse encontro e do Museu Vivo do São Bento, clique aqui!

sábado, 23 de julho de 2011

Poeira, páginas amareladas, cheiro de coisa velha: recolhendo pistas do passado, aí vai o historiador...

"Mesmo que saiba fazer funcionar as máquinas de seu tempo, o historiador permanece um 'errante' que frequenta as margens e os caminhos."*

Escolhemos começar esse artigo com a frase em epígrafe, de Roger Chartier, pois acreditamos que ela transmite, em poucas palavras, as angústias que permeiam o complexo trabalho do historiador.  É um empreendimento que, como o próprio Chartier sugere no título de sua obra, situa-se "à beira da falésia", pois nem sempre os vestígios que nos sobram do passado, são de fácil interpretação.  Mais que isso: as interpretações sobre um mesmo fato podem ser múltiplas, dependendo das fontes, da teoria, da metodologia e do lugar de fala do próprio historiador.  Contudo, se esse é um grande desafio, também é uma das coisas mais prazerosas de se pesquisar em História: não existe fórmula e nem resultados exatos ou previsíveis.  Nosso trabalho pode ser comparado ao de um investigador, que possui apenas alguns testemunhos e vestígios deixados na "cena do crime," para que possa tentar "elucidar o caso..."  
Em meio aos jornais antigos, à procura
de "pistas..."
Bem, imbuídos dessa missão de "fazer falar" as vozes do passado, decidimos mergulhar, por assim dizer, nos arquivos do Jornal de Hoje, periódico popular iguaçuano que completará 40 anos de existência ainda em 2011.  A missão?  Buscar notícias que abordassem a situação de Queimados, ainda como Segundo Distrito de Nova Iguaçu, à época dos plebiscitos que decidiram sua emancipação.  Por que procurar por isso em um jornal? Porque trata-se de uma fonte de caráter popular e também formadora de opinião.  Esperamos, por meio da análise desses exemplares de jornal, perceber um pouco das construções que fizeram parte do imaginário coletivo no período que antecedeu a emancipação queimadense.  A tarefa não é fácil mas, para isso, contamos com o apoio e a inestimável boa vontade dos funcionários do Jornal de Hoje, que nos franquearam o acesso aos exemplares do jornal, que circularam nos anos de 1988, 1989 e 1990.    
Prof. Nilson e o Sr. Josias:
auxílio inestimável para
nosso acesso ao jornal.
Assim, entre páginas amareladas e, por vezes empoeiradas, vamos passando vários dias, anotando, fotografando, tirando conclusões parciais sobre o cotidiano na Baixada Fluminense e, especialmente Queimados, no final da década de 1980.  Nem sempre, porém, encontramos o que esperávamos... mas isso também faz parte do ofício do historiador: saber ouvir e compreender os possíveis significados do silêncio, da aparente ausência de informações sobre um dado período.  Alí, debruçados sobre os grossos volumes encadernados do Jornal de Hoje, empreendemos uma espécie de viagem no tempo, um sonho antigo do Homem, e quase não percebemos o tempo transcorrer.  Longe de ser uma atividade enfadonha, retornamos no dia seguinte, sempre na expectativa de encontrar mais informações, mais testemunhos que nos permitam apontar hipóteses para a análise desse passado...


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*CHARTIER, Roger. À beira da falésia - a história entre certezas e inquietude. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2002. - p.: 157.

domingo, 10 de julho de 2011

Do baú de memórias de Dona Zeza: histórias de vida engraçadas e comoventes vêm à tona em Queimados

Dona Maria José, a Dona Zeza para os mais chegados
Foi em um feriado nublado e chuvoso que chegamos à casa de Dona Maria José Gomes da Silva, no Bairro São Francisco, periferia de Queimados.  Toda a possível melancolia daquele dia frio e cinzento se dissipou rapidamente ao começarmos a entrevista com essa pernambucana arretada, que chegou ao Rio de Janeiro aos 19 anos de idade, acompanhada da irmã e à procura do pai, que viera para cá 5 anos antes.  Foram 7 dias de viagem, em condições, segundo ela, bastante precárias!  Mas, aquela que poderia ser mais uma história sofrida de migrantes nordestinos em busca de melhores condições de vida no Sudeste do Brasil, ganha um colorido especial na fala da Dona Maria José.  Ela relata suas primeiras impressões ao chegar a Queimados, no ano de 1959 e se estabelecer em uma casa na rua Itabira:  "cheguei aqui eram três horas da manhã, não tinha luz em canto nenhum..." Nessa época, de acordo com Dona Maria José - a quem passamos chamar Dona Zeza, como os mais próximos - embora a iluminação elétrica já tivesse chegado a Queimados, as ruas não eram iluminadas, somente as casas.  Ela também relata que, na casa onde foi morar primeiramente, no centro de Queimados, havia rede de água e esgoto.  Se afastando da região central, em torno da linha férrea, os laranjais ainda dominavam a paisagem, embora começassem a surgir os primeiros loteamentos, mas sem qualquer infraestrutura.  A própria linha férrea corria pelo centro de Queimados sem qualquer tipo de proteção: "a plataforma era dois degraus (...) sem cerca, sem muro, sem nada (...) tinha a cancela de cima, que era do Fanchém e tinha a cancela das Sendas..."[sic]   Percebemos, então, que Dona Zeza vivenciou um momento interessante da transição entre a Queimados dos laranjais e a Queimados que se urbanizava.
Dona Zeza, mais a vontade diante da câmera,
dá vida às suas lembranças.
Sozinhas, Dona Zeza e a irmã foram atrás do pai, que trabalhava na construção da adutora do rio Guandu.  Ela relata que, para essa obra, vieram para a região, um número considerável de técnicos americanos.  Foi na casa de uma dessas famílias, que Dona Zeza começou a trabalhar.  Meses depois, chegava sua mãe e,  naquele mesmo ano, Dona Zeza engravidou de sua primeira filha e saiu de casa.  O marido, que ela conhecera pouco antes de vir para o Rio de Janeiro, a levou para a casa de uma família, no bairro do Rio Comprido, no Rio de Janeiro.  Nessa casa, Dona Zeza trabalhava e vivia.  Foi aí que nasceu sua primeira filha.  
Cerca de 3 anos depois, voltava a Recife com o marido e três filhos: dois pequenos e grávida da terceira.  A tentativa de se estabelecerem na capital pernambucana logo foi frustrada.  Segundo Dona Zeza, a família do marido a rejeitara desde o primeiro contato.  Desse modo, logo após o nascimento da terceira filha, Dona Maria José decidiu retornar ao Rio de Janeiro.  Assim, com apenas sete meses em Recife, voltaram ao Rio de Janeiro, mas não voltaram sozinhos: uma das cunhadas de Dona Zeza e sua família vieram juntos.  Dirigindo-se novamente a Queimados, Dona Zeza procurou a família e se reconciliou com o pai.  Moraram por um tempo com os pais dela e, logo depois, adquiriram o terreno onde até hoje mora, surgido a partir do loteamento da Granja Alzira.  Ela relata que, quando chegou, não havia luz, água ou esgoto encanado: "o caminho era só veredas...[sic]"  A primeira casa foi de estuque, a água vinha de poço e o fogão era alimentado com lenha extraída das matas próximas.  Ao olharmos ao redor, percebemos com pesar, que pouca coisa mudou no bairro em que vive Dona Zeza, da década de 1960 para o século XXI...
As filhas e neta de Dona Zeza nos mostram álbuns
com antigas fotografias da família.
Mas nessa trajetória de muita luta e coragem, sobra espaço também para a diversão: Dona Zeza participou ativamente do carnaval queimadense, chegando a ser responsável por uma ala (Ala das Melindrosas) da Unidos da Carlos Sampaio.  Como ela mesma fez questão de enfatizar: para quem cresceu acostumada ao frenético ritmo do frevo, dominar o samba foi fácil!  Sobre sua inserção na vida cultural de Queimados, ela destaca a participação marcante de Wilson Freire que, segundo ela, motivou os estudos e a participação das filhas dela em grupos de dança e teatro.  A esse respeito, Dona Maria José nos brinda com mais uma história bem humorada: "elas pequenas [referindo-se às filhas] que eu digo, assim, estudando, eu saía de casa que o pai delas não gostava e dizia que ia pra missa, no domingo de tarde, de noite, e eu ia pro Oriente ensinar elas a sambar...[sic]"  Além dos ensaios no Oriente e os desfiles da Unidos da Carlos Sampaio, Dona Zeza promovia em sua casa, cirandas, festas de São João e "quebra panela", onde uma pessoa de olhos vendados, devia acertar e quebrar "a panela", a fim de ganhar uma prenda.

Ala das Melindrosas da Unidos da Carlos Sampaio, década de 1980
- arquivo particular de Dona Zeza -

Entretanto, Dona Maria José lamenta o fim dessas festas e do bom carnaval de rua.  Ela atribui esse fato à falta de investimentos nesse tipo de entretenimento.  Talvez possamos entrever na nostálgica fala de nossa entrevistada, uma reflexão sobre o ônus e o bônus da modernização de Queimados.  A esse respeito, ela destaca grandes mudanças positivas, conquistadas a partir da emancipação, como a implantação da primeira linha de ônibus para atender os moradores do bairro São Francisco.  Por outro lado, ela aponta o desenfreado crescimento populacional como um dos entraves para que os benefícios da modernização sejam usufruídos por todos e destaca os, ainda parcos, investimentos na periferia da cidade.  Embora tenha declarado não ter participado ativamente e, na ocasião, não acreditar na emancipação política de Queimados, Dona Zeza afirma que as filhas vivenciaram mais ativamente esse movimento.  Contribuiu para isso a proximidade do casal Arnô e Heloísa, a quem Dona Zeza considera como sobrinha.  Com a emancipação, na percepção de Dona Zeza, a cidade melhorou, mas ainda há muito o que fazer para que essas melhorias sejam sensíveis a todos... 
Ao final dessa tarde, com um tímido sol se esboçando no céu, nos despedimos de Dona Maria José, suas filhas e netos, que estiveram presentes durante toda essa entrevista.  Com esse bate-papo, confirmamos que nossa História está ali, viva e pulsante, presente até mesmo nos lugares mais afastados: só precisa ser ouvida, analisada, compreendida...   
 

Dona Maria José, ladeada pelos netos.  Atrás: nosso fotógrafo, João Batista,
Profª Claudia Costa, Erinalva e Erivanda (filhas de Dona Maria) e o Prof. Nilson Henrique.
 
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