domingo, 10 de julho de 2011

Do baú de memórias de Dona Zeza: histórias de vida engraçadas e comoventes vêm à tona em Queimados

Dona Maria José, a Dona Zeza para os mais chegados
Foi em um feriado nublado e chuvoso que chegamos à casa de Dona Maria José Gomes da Silva, no Bairro São Francisco, periferia de Queimados.  Toda a possível melancolia daquele dia frio e cinzento se dissipou rapidamente ao começarmos a entrevista com essa pernambucana arretada, que chegou ao Rio de Janeiro aos 19 anos de idade, acompanhada da irmã e à procura do pai, que viera para cá 5 anos antes.  Foram 7 dias de viagem, em condições, segundo ela, bastante precárias!  Mas, aquela que poderia ser mais uma história sofrida de migrantes nordestinos em busca de melhores condições de vida no Sudeste do Brasil, ganha um colorido especial na fala da Dona Maria José.  Ela relata suas primeiras impressões ao chegar a Queimados, no ano de 1959 e se estabelecer em uma casa na rua Itabira:  "cheguei aqui eram três horas da manhã, não tinha luz em canto nenhum..." Nessa época, de acordo com Dona Maria José - a quem passamos chamar Dona Zeza, como os mais próximos - embora a iluminação elétrica já tivesse chegado a Queimados, as ruas não eram iluminadas, somente as casas.  Ela também relata que, na casa onde foi morar primeiramente, no centro de Queimados, havia rede de água e esgoto.  Se afastando da região central, em torno da linha férrea, os laranjais ainda dominavam a paisagem, embora começassem a surgir os primeiros loteamentos, mas sem qualquer infraestrutura.  A própria linha férrea corria pelo centro de Queimados sem qualquer tipo de proteção: "a plataforma era dois degraus (...) sem cerca, sem muro, sem nada (...) tinha a cancela de cima, que era do Fanchém e tinha a cancela das Sendas..."[sic]   Percebemos, então, que Dona Zeza vivenciou um momento interessante da transição entre a Queimados dos laranjais e a Queimados que se urbanizava.
Dona Zeza, mais a vontade diante da câmera,
dá vida às suas lembranças.
Sozinhas, Dona Zeza e a irmã foram atrás do pai, que trabalhava na construção da adutora do rio Guandu.  Ela relata que, para essa obra, vieram para a região, um número considerável de técnicos americanos.  Foi na casa de uma dessas famílias, que Dona Zeza começou a trabalhar.  Meses depois, chegava sua mãe e,  naquele mesmo ano, Dona Zeza engravidou de sua primeira filha e saiu de casa.  O marido, que ela conhecera pouco antes de vir para o Rio de Janeiro, a levou para a casa de uma família, no bairro do Rio Comprido, no Rio de Janeiro.  Nessa casa, Dona Zeza trabalhava e vivia.  Foi aí que nasceu sua primeira filha.  
Cerca de 3 anos depois, voltava a Recife com o marido e três filhos: dois pequenos e grávida da terceira.  A tentativa de se estabelecerem na capital pernambucana logo foi frustrada.  Segundo Dona Zeza, a família do marido a rejeitara desde o primeiro contato.  Desse modo, logo após o nascimento da terceira filha, Dona Maria José decidiu retornar ao Rio de Janeiro.  Assim, com apenas sete meses em Recife, voltaram ao Rio de Janeiro, mas não voltaram sozinhos: uma das cunhadas de Dona Zeza e sua família vieram juntos.  Dirigindo-se novamente a Queimados, Dona Zeza procurou a família e se reconciliou com o pai.  Moraram por um tempo com os pais dela e, logo depois, adquiriram o terreno onde até hoje mora, surgido a partir do loteamento da Granja Alzira.  Ela relata que, quando chegou, não havia luz, água ou esgoto encanado: "o caminho era só veredas...[sic]"  A primeira casa foi de estuque, a água vinha de poço e o fogão era alimentado com lenha extraída das matas próximas.  Ao olharmos ao redor, percebemos com pesar, que pouca coisa mudou no bairro em que vive Dona Zeza, da década de 1960 para o século XXI...
As filhas e neta de Dona Zeza nos mostram álbuns
com antigas fotografias da família.
Mas nessa trajetória de muita luta e coragem, sobra espaço também para a diversão: Dona Zeza participou ativamente do carnaval queimadense, chegando a ser responsável por uma ala (Ala das Melindrosas) da Unidos da Carlos Sampaio.  Como ela mesma fez questão de enfatizar: para quem cresceu acostumada ao frenético ritmo do frevo, dominar o samba foi fácil!  Sobre sua inserção na vida cultural de Queimados, ela destaca a participação marcante de Wilson Freire que, segundo ela, motivou os estudos e a participação das filhas dela em grupos de dança e teatro.  A esse respeito, Dona Maria José nos brinda com mais uma história bem humorada: "elas pequenas [referindo-se às filhas] que eu digo, assim, estudando, eu saía de casa que o pai delas não gostava e dizia que ia pra missa, no domingo de tarde, de noite, e eu ia pro Oriente ensinar elas a sambar...[sic]"  Além dos ensaios no Oriente e os desfiles da Unidos da Carlos Sampaio, Dona Zeza promovia em sua casa, cirandas, festas de São João e "quebra panela", onde uma pessoa de olhos vendados, devia acertar e quebrar "a panela", a fim de ganhar uma prenda.

Ala das Melindrosas da Unidos da Carlos Sampaio, década de 1980
- arquivo particular de Dona Zeza -

Entretanto, Dona Maria José lamenta o fim dessas festas e do bom carnaval de rua.  Ela atribui esse fato à falta de investimentos nesse tipo de entretenimento.  Talvez possamos entrever na nostálgica fala de nossa entrevistada, uma reflexão sobre o ônus e o bônus da modernização de Queimados.  A esse respeito, ela destaca grandes mudanças positivas, conquistadas a partir da emancipação, como a implantação da primeira linha de ônibus para atender os moradores do bairro São Francisco.  Por outro lado, ela aponta o desenfreado crescimento populacional como um dos entraves para que os benefícios da modernização sejam usufruídos por todos e destaca os, ainda parcos, investimentos na periferia da cidade.  Embora tenha declarado não ter participado ativamente e, na ocasião, não acreditar na emancipação política de Queimados, Dona Zeza afirma que as filhas vivenciaram mais ativamente esse movimento.  Contribuiu para isso a proximidade do casal Arnô e Heloísa, a quem Dona Zeza considera como sobrinha.  Com a emancipação, na percepção de Dona Zeza, a cidade melhorou, mas ainda há muito o que fazer para que essas melhorias sejam sensíveis a todos... 
Ao final dessa tarde, com um tímido sol se esboçando no céu, nos despedimos de Dona Maria José, suas filhas e netos, que estiveram presentes durante toda essa entrevista.  Com esse bate-papo, confirmamos que nossa História está ali, viva e pulsante, presente até mesmo nos lugares mais afastados: só precisa ser ouvida, analisada, compreendida...   
 

Dona Maria José, ladeada pelos netos.  Atrás: nosso fotógrafo, João Batista,
Profª Claudia Costa, Erinalva e Erivanda (filhas de Dona Maria) e o Prof. Nilson Henrique.
 
Para mais fotos que marcaram essa entrevista, clique aqui!

4 comentários:

  1. Olá professores, parabéns por mais esta iniciativa de resgate da memória e da cultura Queimadense. Fiquei curiosa de saber em quais lugares este grupo carnavalesco se apresentava e se tinha algum concurso de blocos de carnaval em Queimados nesta época. Obrigada por compartilharem seus trabalhos! abraços!!!

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  2. Parabéns pela iniciativa! è preciso resgatar a memória social, patrimonial e histórica dessa cidade!! Quando a gente não sabe de onde vem não tem como saber para onde vai... Compartilho da opinião de D. Zeza, mas discordo que é efeito da modernização. Se fosse assim a nossa cidade mas "moderna" não teria bloco de rua... O prob é outro mas a gente não precisa comentar aqui... O mais importante é parabenizar a iniciativa e já linkei no meu Blog: www.olharpopular.blogsopt.com

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  3. Agradecemos, mais uma vez, os comentários enviados. Da mesma forma, gostaríamos de complementar algumas informações:
    Segundo nossa entrevistada, os desfiles ocorriam, a maior parte das vezes, no próprio centro de Queimados.
    Sobre a questão da modernização, gostaria de esclarecer que essa foi uma questão que não foi manifesta pela entrevistada mas sim uma problemática levantada por nós, a partir da observação da citação de tal temática na fala de vários entrevistados. Como dissemos no artigo, acreditamos que a modernização pode representar "coisas boas", assim como "ruins": a percepção depende do ângulo do qual parte a observação!
    Abraço a todos,

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  4. Olá. Minha falecida avó, minha falecida mãe participaram ativamente do carnaval do Oriente. Minha irmã ainda criança foi Porta-bandeira do bloco. E hj eu sou musa do carnaval da nossa cidade. Também estou na história..Carnaval na família há anos...rsrs

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