quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Sim: Queimados também tem memória e é capaz de escrever sua própria história!


"Vivemos uma era de colecionadores. Registramos e guardamos tudo (...) Existe um culto ao passado, que se expressa no consumo e mercantilização de diversas modas 'retrô' (...) No espaço público, os arquivos crescem, as datas comemorativas se multiplicam, a necessidade de placas de recordação e monumentos são permanentes. E os meios de comunicação massivos estruturam e organizam essa presença do passado em todos os âmbitos da vida contemporânea." (JELIN, 2002: 9)

De cima para baixo - Luiz Alonso, Carlos
Vilela e Josias Mattos: pessoas que
fizeram parte do movimento pró
emancipação, durante entrevistas para
o nosso projeto.
A afirmação, introduzida pela socióloga argentina Elizabeth Jelin, nos leva a pensar sobre o momento pelo qual a cidade de Queimados está passando.  Prestes a completar 22 anos de emancipação, percebemos um empenho coletivo da população queimadense em remexer em suas memórias e buscar "uma resposta ou reação, diante das mudanças rápidas e de uma vida sem âncoras ou raízes." (Idem)  Aquilo que Jelin chama de "vida sem âncoras ou raízes" se insere na perspectiva da aceleração da vida contemporânea, incômodo expresso na maioria das entrevistas concedidas a nós, por antigos queimadenses.  A chegada da modernidade, argumento muito presente nos recentes discursos sobre Queimados, traz em si, uma gama de questionamentos acerca da extensão dessa dita modernidade e seus impactos positivos e negativos sobre a cidade.  
Sem dúvida, a memória coletiva é um campo bastante instigante, a partir do qual podemos propor a escrita da história da cidade.  Nessa perspectiva, percebemos que o "incômodo" revelado pelos depoentes, coloca em choque passado e presente, da mesma forma que introduz dúvidas acerca do futuro que se deseja para si e para Queimados.  As múltiplas memórias, que tem sido compartilhadas conosco ao longo dessa pesquisa falam muito sobre a identidade queimadense, que vem sendo gradualmente forjada desde a época da emancipação.
Ao iniciarmos nossas pesquisas, nos debruçando sobre as disputas e tensões relacionadas à memória e à identidade, percebemos que a documentação pertinente aos debates que conduziram à emancipação queimadense estão dispersos em acervos particulares.  Essa constatação nos conduz a pensarmos criticamente sobre as dificuldades representadas pela quase total ausência de políticas públicas que prevejam a guarda e a preservação de tais documentos.  Observamos, com evidente preocupação, a forte possibilidade de perda sistemática desses registros, sem que se possa preservá-los adequadamente e sem que eles sejam acessíveis ao público, quase sempre desejoso de conhecer um pouco mais da sua história.
Registro de reunião da "Comissão Pró-
Emancipação de Queimados, Engenheiro
Pedreira, Japeri e Cabuçu", em 1988:
primeiro momento da luta pela
emancipação. 
Talvez esteja mais que na hora de propormos a criação de um espaço público de guarda desses "pequenos fragmentos de memória", pensando no fato de que uma cidade não se constroi só com concreto e aço, mas também com a preservação das memórias de seus cidadãos, material indispensável para a contínua operação de formação e reforço das identidades locais.  A pesquisa histórica realizada sobre esse instigante material é um desafio que assumimos há cerca de 4 anos e que está profundamente ligado à essas questões.  Acreditamos que alguns frutos desse trabalho já estão sendo colhidos, sob a forma da participação interativa dos leitores desse blog e do nosso perfil no Facebook.  Inestimável tem sido, também, a disponibilidade das pessoas que aceitaram conceder-nos entrevistas sobre suas histórias de vida e compartilhar conosco seus registros particulares, como fotografias, jornais, cartas etc.    Outros frutos desse desafio são traduzidos na forma de uma Monografia de Especialização em História do Rio de Janeiro, pela Universidade Federal Fluminense e, esperamos no próximo ano, uma Dissertação de Mestrado, a ser defendida junto ao Programa de Pós Graduação em História Política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.  Por isso, hoje, ousamos sonhar com a criação de um Centro de Memória que possa abarcar, em toda a sua complexidade, o problema de preservação desse patrimônio histórico, antes que o mesmo se perca pela ação implacável do tempo...         
Panfletos distribuídos à população, por ocasião do segundo plebiscito
pela emancipação. Arquivo particular de Nilson Henrique.

13 comentários:

  1. A sensação que fica, quanto ao pouco interesse em valorizar nossa memória, é que Queimados (tanto pela gestão quanto por uma espécie de consenso entre os habitantes) não quer ter uma história pregressa. É como se ainda a estivéssemos construindo, e por isso os eventos passados não devem (ou podem) ser considerados como de nossa cidade. O mesmo acontece com a História do Brasil, no sentido de que a cultura perdeu as rédeas da memória em busca do "progresso".

    A discussão proposta aqui merece ser levada adiante, ultrapassar a esfera da virtualidade e materializar-se em documento, debate e - mais do que tudo - consciência coletiva.

    Abraços!
    Brayan

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  2. Muito bem colocado, Brayan. No entanto, um outro fator deve ser levado em consideração: não acredito ser interessante à classe política, que no momento ocupa o poder, deixar claro aos cidadãos, que o tão difundido progresso seja fruto de um longo e contínuo processo. Fazer isso, seria admitir que aquele que o precedeu também teve uma participação importante nesse processo. Talvez, esteja aí a razão para que não tenhamos, até hoje, um centro de memória ou histórico, ou seja lá o que for. Há uma continua preocupação dos políticos de agora em apagar e/ou anular a memória dos políticos de ontem.
    Antonio Montenegro.

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  3. Muito apropriadas as reflexões deste artigo. Pararabéns, professores!!! Só me entristeço com o que já é corriqueiro na administração pública: quando este Centro de Memória da cidade finalmente surgir, sua direção caberá aquele que tiver padrinho político e não aquele que for conpetente para assumí-la. Uma pena, não? Não desanimem!!! Se serve de consolo... sabemos muito bem de quem é o pai deste filho! Abraços!!!
    Jorge Henrique

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  4. De fato, a organização de um arquivo municipal que desse conta desse acervo seria essencial, antes que se perca por aí. No entanto, tomo a liberdade de deixar uma sugestão: enquanto um arquivo físico não é possível, não seria interessante organizar um arquivo virtual, escaneando os documentos e disponibilizando-os na íntegra na WEB, como forma de preservar seus conteúdos e divulgá-los para os interessados?

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  5. O importante é que vocês tem perfeita consciência do momento que estão vivendo. Levantar o problema já é solução para o problema. As dúvidas e incertezas de Queimados são também as dúvidas e incertezas de todas as cidades do Brasil. Ninguém sabe o caminho... o caminho se faz caminhando. O momento enseja a solução. Sigam realizando este maravilhoso trabalho que estão realizando. O importante é trabalhar, isso vocês já estão fazendo, há muito tempo. Parabéns

    Rogério Torres

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  6. Professores.
    Esta proposta de um centro de memória em Queimados é de fundamental importância para a construção da identidade, política, social e econômica deste município.
    Penso que quando se fala em memória, esbarra-se em limites no campo de entendimento. "A memória não é somente um ato de registrar conservar- recuperar. Ela é sempre uma nova criação e, por conseguinte, o recordar é um processo ativo que permite uma nova percepção*".
    A vida tomou forma de presente contínuo,as muitas pedras que estão postas nos caminhos de uma geração- e porque não dizer gerações- que tem pouco conteúdo pretérito, e rasa "compreensão das possibilidades" do por vir tem produzido comportamentos que ignoram, não por maldade, mas por alienação e submissão. "Marcuse, junto com outros teóricos da Escola de Frankfurt, como Adorno e Horkheimer, apontou a alienação e perda de autonomia do indivíduo perante asociedade de massa, acreditava que a memória é capaz de ultrapassar a repressão**".
    apóio esta iniciativa ilustrada, que certamente contribuirá com ferramentas para edificação de um povo mais inserido, e principalmente sentindo-se pertencente ao seu nascedouro. Parabéns!

    Manifesto.
    Esta iniciativa precisa ser considerada pelo poder público deste município por causa da ideia que defende,ou seja, o resgate da autonomia numa sociedade que valoriza o que custa caro e despreza o que tem valor e sentido para a vida.


    *SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. Memória coletiva & teoria social. São Paulo: Annablume, 2009,p. 93-113

    **CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano – Vol. 1: artes de fazer. 10. ed. Rio de Janeiro:
    Vozes, 1994

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  7. Muito importante a caminhada na direção da cidadania consciente! O cidadão que conhece a sua própria história já faz diferença por si mesmo... assim, vocês estão realizando mudanças e isso já é mais que um começo: é recomeçar! Parabéns pela incessante busca da memória de Queimados que, ao mesmo tempo, é a (re)construção da história da nossa região. A Baixada Fluminense necessita do direito à memória e do caminho para o exercício pleno da cidadania através do reconhecimento de nossas raízes.

    Tania Amaro (Professora de História / Diretora do Instituto Histórico-CMDC)

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  8. O mais importante para um povo ou segmento, é saber de onde veio, como foram os primórdios e como se formou a sociedade atual. Pensando assim, concluo que, se não tivermos dados ou fatos concretos sobre seu passado, tudo o que se disser, jamais passará de meras conjecturas. Só se consegue ensinar aos descendentes aquilo que se aprendeu com seus antecessores, portanto é necessário analisar os fatos passados, retirar lições, deduzir valores e diagnosticar perdas e danos, para alicerçar o presente, com os olhos fixados no futuro. Guardar memórias não é saudosismo e sim, valer-se de lições e aprender com o passado o comportamento para o futuro.
    JORGE ROCHA - Cirurgião Dentista, Queimadense por Amor!

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  9. Amei conhecer esse blog, revi muitas pessoas que não via há muito tempo, eu tb faço parte da história de Queimados, nasci lá.
    Não moro mais em Queimados, mas continuo visitando sempre, ainda tenho muitos parentes em Queimados.

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  10. Rita de Cássia Morais5 de novembro de 2012 às 10:20

    Um povo que não cuida da sua cultura é um povo sem memória. É claro a importância de resgatarmos, preservarmos e divulgarmos essas manifestações.O que queremos e devemos exigir é dispor a toda a população cultura. Que é fundamental a nossa vida.

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  11. Estamos imensamente satisfeitos com a repercussão desse último artigo! A quantidade de comentários sensibilizados em relação à questão da preservação das memórias e do patrimônio histórico de Queimados nos estimula a continuar nosso trabalho de formiguinha, procurando fazer mais entrevistas, prosseguindo com a pesquisa acadêmica, pensando em cursos e eventos que ofereçam espaço e ocasião para ampliar esses debates. Nesse sentido, já tivemos algumas conquistas bastante significativas ao longo desses anos. Começou com a exposição fotográfica "Queimados, cidade livre como o vento", em 2009. Depois vieram o "I Seminário de Memória e Patrimônio Histórico de Queimados", em 2010 e, em 2011, o Projeto "Encontros & Conexões: [re]descobrindo histórias." Para a realização desses eventos, foi muito importante a presença da Secretaria Municipal de Educação, que tornou viável essas realizações. Então, se ainda não temos um Centro de Memória, acreditamos [e por que não?] que a criação do mesmo seja questão de tempo, dada a mobilização comprometida de muitos cidadãos interessados em mais esse desafio imposto pela nossa história...
    Quanto à divulgação dos documentos que nos tem sido confiados ao longo desses anos de trabalho, consideramos a possibilidade de disponibilizá-los virtualmente (conforme sugerido acima). Porém, além dos custos inerentes à criação de um site ou coisa que o valha, esbarramos ainda no receio de que essa iniciativa possa atenuar a necessidade da criação de um espaço real para a guarda e a própria conservação/restauração desse acervo.
    Profs. Claudia e Nilson.

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  12. Estou orgulhoso em ver os jovens de Queimados, desfraldar
    a bandeira da História de sua região!

    Um abraço!
    Guilherme Peres

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  13. A criação de um centro de memória, de lugares de memória, é sempre muito importante. Principalmente em se tratando de uma área que busca sua identidade. mas deve ser acompanhado de algumas ponderações:
    1. os citadinos devem ser consultados sobre o que eles consideram como aspectos importantes para a memória da cidade. Em alguns espaços da Baixada Fluminense um grupo elegeu um determinado tipo de memória que, definitivamente, a cidade nele não se reconhece.A memória é um espaço de disputa. Esta disputa define o que deve ser lembrado, o que deve ser esquecido e o que deve ser silenciado.

    2. O acervo constituído pelo centro deve ser democrático e democratizado.O acervo não pode estar a disposição de um grupo e não de outros. O guardião do acervo não pode definir, a priori, o que o pesquisador deve e pode consultar. Uma das formas de combater esta pŕatica muito comum e divulgar o acervo existente. Controlar informações que são publicas confere a alguns o direito de se permitir o que deve ou não ser revelado no presente. A história e os historiadores tem o estranho e saudável hábito de tirar os esqueletos do armário.Na Baixada Fluminense muitos deles ainda permanecem ocultos.

    3. A iniciativa de criação de um centro de memória deve ser acompanhada de implementação de políticas públicas, particularmente na área da cultura. Verbas no orçamento sem contigenciamento. Concurso público. Espaço adequado para suas instalação. Equipamentos. Sem estas ações o centro de memória estará sempre á mercê das negociações. As práticas na Baixada Fluminense tem apontado para isso.

    4. Um centro de memória não deve somente privilegiar somente a história daqueles que tem a escrita. Poucos espaços preocupam-se com as culturas populares ou com as culturas tradicionais. Muitos ainda as tratam como folclore ou como coisas eventuais. Não existe uma discusssão em ambitos regionais ou municipais na Baixada Fluminense sobre a preservação, valorização, difusão destes saberes. Os centros não participam destas discussões e nem as valorizam.

    5. Um centro de memória deve ter a perspectiva de que ele faz\ parte de um conjunto de outras ações que devem dialogar e se fortalecerem entre sí. Os centros devem defender e participar dos Conselhos Municipais de Cultural, das discussões acerca da criação e aplicação dos Fundos Municipais de Cultura; da criação e implementação dos sistemas municipais, estaduais e nacional de cultura, das iniciativas acerca da valorização da história local, das culturas locais aprsentadas pelo Ministério da Cultura através dos programas nacionais de cultura, do IPHAN, do IBRAM , da Ação Griô, dos Sistema Estadual de Museus, do Forum de Cultura Populares, do Forum de Economia Criativa e de outros. Um centro que está á margem desta discussão, já acumulada desde 2002, continuará sendo um espaço de exotismo sobre o passado que atrairá o olhar curioso de algum viajante.

    6. Um centro de memória deve defender veemente concurso publico para que aqueles que nele atuam não fiquem à mercê das mudanças políticas locais e nem caiam na tentação das facilidades apresentadas por aqueles que ocupam, momentaneamente, o poder público.

    Saúdo a iniciativa. Que outros centros sejam criados. Que a memória local seja valorizada.
    Alexandre Marques

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