"Devo muito a Queimados..." Com essa frase, Dr. Armando Souto encerrou sua fala, após quase duas horas de entrevista, que nos foi concedida em mais um sábado de outono. Com a mesma simpatia com que nos abriu as portas de sua casa, Dr. Armando nos permitiu acesso a um território igualmente precioso: suas memórias. Então, ao abrir as portas de suas memórias, afloraram histórias de uma infância simples, dividida entre um subúrbio carioca e Mesquita, na Baixada Fluminense.
Em Mesquita, ele chegou aos cinco anos de idade. Já nessa época, em meio às brincadeiras de criança, despontava a paixão pela Medicina. Foi essa pulsante vocação que acabou por forjar e fortalecer cada vez mais, os laços afetivos entre o Dr. Armando e a Baixada Fluminense, particularmente Queimados. Mantendo há vários anos, seu consultório no centro de Queimados, Dr. Armando relata que é gratificante quando percebe que já cuidou de várias gerações de uma mesma família, mantendo sempre uma relação muito próxima com os seus pacientes. Essa relação é tão forte que hoje, mesmo morando no Rio de Janeiro, não se cansa de deslocar-se, quase diariamente, para atender seus pequenos pacientes em Queimados. Tal dedicação nos surpreende nos dias de hoje e, cada vez mais à vontade diante de nossas perguntas, Dr. Armando vai nos presenteando com mais lembranças de sua trajetória de vida, indissociável à Baixada Fluminense...
Assim, Dr. Armando nos conta que foi em um baile em Nova Iguaçu, no ano de 1965, que conheceu sua esposa, Dona Vera, sua companheira inseparável ao longo de todos esses anos. No ano seguinte, ambos ingressavam na universidade: ele, cursando Medicina, e ela, Direito. O casamento aconteceu em 1970, quando Dr. Armando ainda cursava os últimos períodos do curso. Eles lembram com notável bom humor, das dificuldades enfrentadas nessa época. Dr. Armando também lembrou, comovido, do episódio que, durante os anos de faculdade, fê-lo optar pela especialização em Pediatria... Ao finalmente se formar, Dr. Armando abre seu primeiro consultório em Austin, onde foi morar depois de casado.
Do consultório em Austin, foi nomeado médico do antigo Estado da Guanabara, tendo sido designado para o atendimento pediátrico no Posto Médico de Japeri. Sobre essa nomeação, Dr. Armando e Dona Vera lembram um episódio curioso: observando o marido formado, mas com as "naturais inquietações de recém formado que, no entanto, não conquista de pronto seu espaço profissional", Dona Vera decidiu ajudar: entrou em contato com o Prof. Joaquim de Freitas, por intermédio da manicure de sua esposa (que atendia também Dona Vera) e pediu uma oportunidade para o marido, recém formado. O Prof. Joaquim era então, presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro e, tempo depois, batia à porta da casa da sogra do Dr. Armando para entregar-lhe sua nomeação, já publicada em Diário Oficial! Nessa época, os cargos do funcionalismo público não eram preenchidos por meio de concurso, mas sim por indicações. De tal forma, Dr. Armando passou por um momento que ele considera muito significativo em sua vida, pois atendendo no Posto Médico de Japeri, teve a oportunidade de atender os mais variados casos clínicos: lepra (hanseníase) e tétano neonatal estavam entre as causas mais recorrentes dentre os muitos atendimentos realizados em três dias por semana. No entanto, o Dr. Armando é enfático ao afirmar que: "foi realmente um momento em que eu senti como um médico pode ser útil! O posto era muito precário (...) pra você ter uma ideia, o médico que atendia lá há dois anos, tinha ficado doente e não estava indo mais lá e pra você ter uma ideia, o banheiro não tinha nem porta..." Toda essa situação de extrema precariedade de condições se reflete também em outra curiosa observação feita pelo Dr. Armando: profundamente agradecidos pelo tratamento dispensado com tamanha boa vontade, não era raro que pacientes retornassem com "presentes" para o médico. Entre esses "presentes", Dr. Armando declara ter recebido pencas de bananas, dúzias de ovos e até galinhas! Tais relatos nos convidam a pensar o quanto a região da Baixada Fluminense foi tratada com descaso ao longo de muito tempo, o que, sem dúvidas, contribuiu para a difusão e a cristalização de uma imagem ligada ao atraso e à violência.
Dr. Armando e Dona Vera mostram fotografias do consultório em Queimados. |
Ainda na década de 1970, segundo o Dr. Armando, a família Souto foi morar em Queimados, na Travessa Marques, em casa onde, até recentemente, funcionou o Conselho Tutelar. No que tange à saúde pública, ele ressalta que a situação de Queimados era ligeiramente melhor que aquela do distrito vizinho (Japeri), pois havia uma Casa de Saúde em funcionamento. Em 1973, abriu seu consultório na Avenida Irmãos Guinle, onde começou a atender os pequenos pacientes locais. Apesar de deixar claro, em vários momentos da entrevista, que as condições dos pacientes que atendia em Queimados eram superiores àquelas de Japeri, a saúde das crianças ainda inspirava grande preocupação. As queixas mais comuns eram parasitose e desnutrição. Ele relata, para nosso espanto, que em plena segunda metade do século XX, muitas mães temiam a vacinação de seus filhos! Além disso, ele e Dona Vera empreenderam verdadeira cruzada de conscientização sobre hábitos básicos de higiene junto à população local, haja vista que a rua em que foram morar não tinha calçamento ou água encanada, sendo bastante irregular a coleta do lixo.
Dr. Armando, em seu escritório, nos mostra os rascunhos do livro de crônicas e pensamentos que pretende lançar em breve. |
Quando os filhos começaram a crescer, a família mudou-se para Nova Iguaçu, onde havia, segundo eles, maior infraestrutura para as crianças. Já na década de 1990, a familia se mudou mais uma vez, agora para o Rio de Janeiro. Durante todo esse tempo, Dr. Armando continuou atendendo no consultório da Avenida Irmãos Guinle e foi diretor do PAM de Queimados durante muito tempo. Em fins da década de 1980, sobreveio o movimento emancipacionista e a separação de Queimados de Nova Iguaçu, dando origem a um novo município. Dr. Armando ve com bons olhos essa emancipação e aponta melhorias realizadas na nova cidade, ainda no primeiro governo, embora faça questão de salientar seu posicionamento apartidário. Ainda assim, mesmo "escondidinho dentro de Queimados", como ele mesmo disse no decurso da entrevista, Dr. Armando se tornou um exemplo dentro da carreira que abraçou ainda bem jovem: em 1994, recebeu homenagem da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro, como "pai-médico do ano"; posteriormente, foi convidado para fazer parte da diretoria da mesma instituição e, em 2010, foi homenageado "médico do ano". Ele revela ainda sua surpresa, ao ser procurado por nós para a concessão dessa entrevista... Que nada, Dr. Armando: nós é que agradecemos sua simpatia, boa vontade e disponibilidade! E, em meio a tanto amor pela profissão e dedicação aos seus pacientes, ainda sobra espaço para escrever... Dr. Armando revelou-nos ainda, que está compilando textos de sua autoria, escritos ao longo de todos esses anos, e pretende lançar um livro de crônicas, pensamentos e reflexões em breve.
Aguardaremos, ansiosos, essa publicação!
Nossa, já tradicional, foto de despedida: Profª. Claudia, Dr. Armando, Dona Vera e Prof. Nilson. |
*Para outras fotos desse encontro, clique aqui!
Olá professores cláudia e Nilson, é um prazer voltar aqui para receber este presente: Que preciosidade esta entrevista!!! o Dr. Armando nos mostrou que além da sua dedicação e excelentes serviços prestados, ele foi contaminado por um vírus que tem aí na Baixada Fluminense que atinge a todos que passam por aí por mais de um ano; este é o período de incubação da ação do bichinho, depois de um ano convivendo com a baixada não dá mais para se distanciar. Digo isso por que acho que fui contaminada também, já estou contando 6 anos e meio e passo mais tempo na baixada do que na minha casa no Rio. Fazer o quê? é muito bom estar nestas cidades e ver na simplicidade diária das pessoas os resultados do trabalho que fazemos e o acolhimento à todos nós que eles dedicam. Obrigada por mais esta pérola de memória! Um forte Abraço!!!
ResponderExcluirNoossaaa!Que incrível!Até me emocionei,pois Dr. Armando faz parte da história da minha vida... E sou prova viva de que a sua dedicação atravessa gerações.
ResponderExcluirParabéns,queridos!Continuem nesta linda empreitada na preservação de nossas memórias!
Nossa!!! Poder ver uma matéria como essa é gratificante! Dr. Armando foi meu pediatra e quase na mesma época em que ele veio para o Rio eu também vim. Retornei algumas vezes em Queimados por que tive febre reumática e era ele quem me tratava...como gostaria de revê-lo. Se tiverem o telefone do consultório me repassem por favor!
ResponderExcluireloisa70@ig.com.br
Grande entrevista .. Eu sou muito grata a ele ,por ter sido meu Pediatra .. Graças a ele hoje sou uma pessoa saudável e muito feliz . Grande Pediatra e uma ótima pessoa
ResponderExcluirespetacular, ele foi meu pediatra tbm... como o tempo passa rápido
ResponderExcluirQue emocionante,ele foi meu pediatra tb.Agradeço a Deus e agradeço ao Dr.Armando pela dedicação.Um gde abraço de meus pais:Adelaide e Gercelem (bombeiro);Aldeir(bombeiro)e Marilza meus padrinhos e meu mto obrigado sua paciente Érica Paula. Que Deus o abençõe sempre.
ResponderExcluirbacana, lembro que quando criança ele também foi meu pediatra, nunca me esqueci .
ResponderExcluirGrande entrevista!
ResponderExcluirEmocionante!
Nos traz na prática a vida de um verdadeiro médico, àquele que exerce a medicina como um verdadeiro sacerdote.
A simplicidade, humildade, a ética e o amor que move o Armando, é que o engrandece e ilumina com a sua sabedoria.
Como homem, cidadão, como família e como seu colega médico, tive e tenho a honra de tê-lo como um dos exemplos na condução de minha vida.
Parabéns querido, beijos e claro na Vera também.
Esta mensagem acima, foi eu que a enviei, com muito prazer.
ResponderExcluirBrady
Um excelente profissional foi pediatra do meu primeiro filho que hoje está com 18 anos,e hoje é pediatra do meu filho Davi de 1 ano e meio.meus parabéns doutor
ResponderExcluirNasci em 1980 em Queiamdos. O Dr. Armando, foi meu pediatra e da minha filha de 17 e também é do meu filho de 5 anos. E assim vai as gerações.
ResponderExcluirBoa noite espero que esteja bem!
ResponderExcluirGostaria de saber se ficou alguém atendendo no lugar dele em Queimados?
Armando, boa tarde!! Sou a Ana Maria, esposa do Gilson, seu amigo de Mesquita, do Ginásio Silveira Leite e do time juvenil do Potigua lembra? Moramos em Santa Catarina há 45 anos, mas você sempre esteve em nossa lembrança, em nossa história de vida. Nossos 4 filhos e 8 netos sempre ouviram falar sobre vc como um grande amigo que Gilson teve na adolescência . Estivemos em Queimados algumas vezes pela minha amizade com a Sara, cujas filhas eram suas clientes. Lhes procuravamos , mas ninguem sabia dizer onde vcs podiam estar morando. Gostaríamos de poder lhe ver e falar, abraçar a você, Vera e conhecer seus filhos! Gilson faz 80 anos no dia 10 de dezembro e está sendo uma imensa alegria poder lhe convidar para esta celebração, graças a uma de nossas filhas que finalmente o encontrou por aqui. Podemos contar com a presença de você e Vera, lhe enviando um convite, para nós, muito especial?
ResponderExcluirAna Maria ficaria muito feliz em abraçar meu amigo Gilson e conhecer toda a família. email armsoutorj@gmail.com / tel 25487659 / 22572086 / 981329346
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